sexta-feira, 15 de junho de 2012

Meu artigo desta semana no Globo A+, o vespertino para iPad do Globo:

Madri volta a ser "latina"



A capital da Espanha talvez seja a cidade onde a crise europeia mostra  sua cara mais perversa

Madri sempre foi um exemplo de cidade para os "hispanohablantes". A adesão à União Europeia trouxe recursos e a capital espanhola, que soube aproveitar as oportunidades, fez uma rede de metrô de deixar  alemães com inveja. Transporte público de qualidade, limpeza urbana que impressiona, planejamento viário excelente e uma organização  social que a distanciava da Espanha mais pobre, do Sul, mais próxima do nosso caos latino americano. Agora, com o país mergulhado em uma  das piores crises econômicas, as virtudes de Madri começam a se perder diante do avanço dos problemas sociais decorrentes da falta de  oportunidades de trabalho em um país que há pouco importava mão de obra.

A Madri de 2012 é um arremedo da Madri de 2009, quando o país, ao menos tecnicamente, já estava em crise. Voltar à cidade onde vivi após três anos de pesada crise foi um verdadeiro choque. A cidade, as  pessoas e a "alma" da cidade estão diferentes. É o exemplo mais concreto do que pode ocorrer com a "vida real" quando os resultados  financeiros de um país insistem em ficar no vermelho. Até a "movida madrilenha", a arte dos espanhóis se divertirem nos excepcionais bares  da cidade, mudou. No país que tem 25% das pessoas sem emprego, onde um a cada dois jovens estão sem trabalho, ficou mais difícil se divertir.  Madri respira a crise.

As mudanças são visíveis. As placas pretas e laranjas, anunciando imóveis para alugar, multiplicaram-se. Até mesmo nos bairros mais caros, encontrar um apartamento para alugar ficou mais fácil e barato.  Preços que, se comparados ao inflacionado mercado imobiliário do Rio de Janeiro, parem uma pechincha. Lojas tradicionais abrindo espaço  para penhores, placas e homens-placa com a expressão "Compro Oro" nos faz pensar que estamos no Largo da Carioca de outros tempos.

Mas o pior é ver como estão as pessoas. Não é incomum ver grupos  grandes, às vezes, com quase cinco pessoas, morando embaixo de marquises de apartamentos e de lojas como a Zara. Pessoas que fazem  verdadeiras casas de papelão. Bem próximo do Parque do Retiro, ao lado do Museu Arqueológico, região nobre da capital espanhola, caixas de  papelão improvisam um abrigo para dois homens se protegerem da chuva e do frio dos últimos dias do mês de abril. Esse público mudou: não são
apenas os tradicionais homens-de-meia-idade-com barbas, agora jovens e mulheres buscam às ruas e contam com a  solidariedade de quem anda pelas ruas de Madrid.

Mas a crise assolapa mesmo quem continua com emprego e com casa. A  palavra “crise” virou aposto necessário de qualquer conversa, de qualquer pensamento, parece. Restaurantes abusam da expressão "menu  anti-crisis" – isso desde 2009 e agora mais presente que nuca --, o ambiente da cidade está pesado, as pessoas sorriem menos nas ruas. Até  o colorido de Madri se perdeu um pouco: a cidade está menos plural, com muito menos imigrantes, vários dos quais voltaram aos seus países  de origem, em geral na América Latina, usando o serviço de "retorno digno" criado pelo governo. Assim, cada vez mais há espanhóis em serviços antes renegados por eles, como garçons, lixeiros e atendentes  de grandes redes de fast food.

A TV espanhola, que em geral já um pouco apelativa, adotou de vez a crise, fazendo com que o cidadão não se esqueça de seus problemas nem mesmo quando tenta relaxar. A expressão "Nestes tempos de crise"  invariavelmente começa reportagens sobre touradas, futebol, vida de famosos, show da Madonna. O mesmo ocorre nas revistas, nos jornais.  Restaurantes onde antes era necessário reserva antecipada estão mais acessíveis. Os bares de Malasaña, Latina, Chueca ou Lavapiés continuam  com o borburinho característico, embora um pouco reduzido e com uma proporção maior de turistas que nativos.

Claro que a cidade continua interessantíssima, com museus incríveis,  milhares de atrações, com uma agenda de jogos de futebol das mais espetaculares. Mas Madri está longe de seu auge. Até as temidas  barreiras nos aeroportos estão mais frouxas, ávidas pelo dinheiro dos turistas. Mas pior que a situação da cidade, o que incomoda é a falta  de perspectiva. Ao contrário do que ocorria em 2009, agora os espanhóis temem mais pelo futuro que pelo presente.

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