terça-feira, 5 de maio de 2009

A diferença entre jornalismo e oba-oba

A imprensa em Madri não difere muito do oba-oba que vemos muitas vezes no Brasil, quando os jornais insistem em fazer mal jornalismo. O frenesi em torno do assassinato de uma jovem (cujo corpo está desaparecido desde janeiro), a histeria causada pela gripe "porcina", a tietagem para Carla Bruni na visita oficial de Sarkozy (vejam em post anterior) e o ufanismo exagerado nesta semana para receber a comissão do COI que vai avaliar a candidatura da capital espanhola aos Jogos Olímpicos de 2016 são prova disso. Um dos únicos que não embarcou nessa última barca foi o El País.


Considerado um dos melhores jornais do mundo, El País foi o único, juntamente com o ultra-esquerdista Público, que não colocou o símbolo da candidatura madrilenha no seu logo, em sua página inicial. La Razón, ABC e El Mundo dedicaram páginas e mais páginas (El Mundo publicou um caderno especial de 12 páginas sobre o tema) para o sonho olímpico, com reportagens para mostrar como a delegação do COI deverá se encantar com Madri. Segundo eles, é claro que o rei Juan Carlos (sim, aqui na Espanha se tem muito orgulho de possuir um rei, por mais que o governo seja um presidencialismo disfarçado) vai convencer a todos os delegados e Madri é a favorita, embora todos os "expertos" vejam Chicago e Tóquio na ponta e Madri com menos chances que o Rio.


El País publicou, na segunda, duas páginas de reportagem, mostrando quem são os delegados do COI, o que fazem, a importância desta fase (a escolha sede é muito mais política, mas o jornal lembra que um erro estrondoso nesta fase pode ser fatal). Fez uma matéria sobre cada uma das concorrentes, reforçando os pontos positivos. Apresentou todas as candidaturas em um gráfico e não escondeu os pontos fracos de Madri, já que, se escolhida, seria precedida de outra sede europeia. Pensei, contudo, que na edição de terça o jornal sucumbiria ao oba-oba, pois em seu portal, o jornal aderiu ao ufanismo, mas não, seu logotipo, na ediçäo de hoje do papel, continua sem a imagem das olimpìadas.

Jornalistas antigos, contudo, comfiram que o jornal não é mais o mesmo. A reportagem de peso, o texto historiado e temas menos óbvios estão, cada vez mais, ilhados na edição de domingo do jornal. A cobertura política, durante a semana, se parece muito com os demais jornais, ou seja, está cada vez mais panfletária. A posição ideológica muitas vezes se confunde com propaganda e torcida.


Apesar disso, El País possue algumas características, mesmo no dia-a-dia, que o colocam em um patamar um pouco melhor que os outros. Há mais chances de encontrar, em suas páginas, um pouco mais de informação histórica sobre o escândalo da semana, embora, em geral sofra da mesma falta de preocupação de contextualizar as notícias. Da mesma forma, é mais fácil encontrar gráficos, artes, mapas aqui que em outros. E normalmente os textos daqui trazem os números essenciais das matérias, como número de afetados por uma greve, salário médio dos grevistas e número de profissionais da profissão que está de braços cruzados, por exemplo, algo realmente raro de encontrar nos concorrentes.

A excelente cobertura internacional é contrastada com uma paupérrima cobertura de Madri. Há uma piada aqui que diz que El País cobre melhor El Mundo e El Mundo cobre melhor El País. O pedantismo de seu texto pode afastar leitores menos familiarizados com alguns temas e a falta de velocidade de sua página na internet é um dos motivos de possuir muito menos leitores no portal que o El Mundo. O clima de sua redação também é um ponto fraco: individualismo, falta de cooperação e pedantismo ao máximo.


A crônica taurina, um clássico do jornalismo espanhol, também nem é tão boa aqui. O jornal parece que tem vergonha de possuir textos sobre touradas. E, como todos, também dá um milhão de regalos, de DVDs de pornô leve a panelas e descontos para a compra de TVs de LCD. Reflexo da crise econômica, sua e de seu grupo, um gigante metido com rádios, revistas, TVs. Com isso, o jornalão, apesar de manter a aura de um dos melhores do mundo, cada vez mais se preocupa em ser apenas o melhor da Espanha.

AS OUTRAS RESENHAS:
La Razón
Público
ABC

Um comentário:

  1. Muito bom termos enviados especiais à Espanha para sabermos mais sobre o jornalismo europeu! Um dia, num bar, vamos discutir o papel do jornal??? Ia adorar saber a opinião de vocês.
    Bjs.

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